Suma Metodológica







Karl Marx, 1859: “Prefácio”, Para a Crítica da Economia Política 

Considero o sistema da economia burguesa por esta ordem: capital, propriedade fundiária, trabalho assalariado; Estado, comércio externo, mercado mundial. Sob as três primeiras rubricas investigo as condições económicas de vida das três grandes classes em que se decompõe a sociedade burguesa moderna; a conexão das três outras rubricas salta à vista. A primeira secção do livro primeiro, que trata do capital, consiste dos seguintes capítulos:

· a mercadoria;· dinheiro ou a circulação simples;· capital em geral.
Os dois primeiros capítulos formam o conteúdo do presente fascículo. Tenho diante de mim todo o material sob a forma de monografias, as quais foram redigidas, em períodos que distam largamente uns dos outros, para minha própria compreensão, não para o prelo, e cuja elaboração conexa segundo o plano indicado dependerá de circunstâncias exteriores.

Suprimo uma introdução geral que tinha esboçado porque, reflectindo mais a fundo, me parece prejudicial toda a antecipação de resultados ainda a comprovar, e o leitor que me quiser de facto seguir terá de se decidir a ascender do singular para o geral. Algumas alusões ao curso dos meus próprios estudos político-económicos poderão, pelo contrário, ter aqui lugar.

O meu estudo universitário foi o da jurisprudência, o qual no entanto só prossegui como disciplina subordinada a par de filosofia e história. No ano de 1842-43, como redactor da Rheinische Zeitung, vi-me pela primeira vez, perplexo, perante a dificuldade de ter também de dizer alguma coisa sobre o que se designa por interesses materiais. Os debates do Landtag Renano sobre roubo de lenha e parcelamento da propriedade fundiária, a polémica oficial que Herr von Schaper, então Oberprásident da província renana, abriu com a Rheinische Zeitung sobre a situação dos camponeses do Mosela, por fim as discussões sobre livre-cambismo e tarifas alfandegárias proteccionistas deram-me os primeiros motivos para que me ocupasse com questões económicas. Por outro lado, tinha-se nesse tempo — em que a boa vontade de"ir por diante" repetidas vezes contrabalançava o conhecimento das questões — tornado audível na Rheinische Zeitung um eco do socialismo e comunismo francês, sob uma ténue coloração filosófica. Declarei-me contra esta remendaria, mas ao mesmo tempo confessei abertamente, numa controvérsia com a Allgemeine Augsburger Zeitung, que os meus estudos até essa data não me permitiam arriscar eu próprio qualquer juízo sobre o conteúdo das orientações francesas. Preferi agarrar a mãos ambas a ilusão dos directores da Rheinische Zeitung, que acreditavam poder levar a anular a sentença de morte passada sobre o jornal por meio duma atitude mais fraca deste, para me retirar do palco público e recolher ao quarto de estudo.

O primeiro trabalho, empreendido para resolver as dúvidas que me assaltavam, foi uma revisão crítica da filosofia do direito que Hegel, um trabalho cuja introdução apareceu nos Deutsch-Französische Jahrbücher publicados em Paris em 1844. A minha investigação desembocou no resultado de que relações jurídicas, tal como formas de Estado, não podem ser compreendidas a partir de si mesmas nem a partir do chamado desenvolvimento geral do espírito humano, mas enraízam-se, isso sim, nas relações materiais da vida, cuja totalidade Hegel, na esteira dos ingleses e franceses do século XVIII, resume sob o nome de"sociedade civil", e de que a anatomia da sociedade civil se teria de procurar, porém, na economia política. A investigação desta última, que comecei em Paris, continuei em Bruxelas, para onde me mudara em consequência duma ordem de expulsão do Sr. Guizot. O resultado geral que se me ofereceu e, uma vez ganho, serviu de fio condutor aos meus estudos, pode ser formulado assim sucintamente: na produção social da sua vida os homens entram em determinadas relações, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada etapa de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura económica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superstrutura jurídica e política, e à qual correspondem determinadas formas da consciência social. O modo de produção da vida material é que condiciona o processo da vida social, política e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, inversamente, o seu ser social que determina a sua consciência. Numa certa etapa do seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que é apenas uma expressão jurídica delas, com as relações de propriedade no seio das quais se tinham até aí movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações transformam-se em grilhões das mesmas. Ocorre então uma época de revolução social. Com a transformação do fundamento económico revoluciona-se, mais devagar ou mais depressa, toda a imensa superstrutura. Na consideração de tais revolucionamentos tem de se distinguir sempre entre o revolucionamento material nas condições económicas da produção, o qual é constatável rigorosamente como nas ciências naturais, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em suma, ideológicas, em que os homens ganham consciência deste conflito e o resolvem. Do mesmo modo que não se julga o que um indivíduo é pelo que ele imagina de si próprio, tão-pouco se pode julgar uma tal época de revolucionamento a partir da sua consciência, mas se tem, isso sim, de explicar esta consciência a partir das contradições da vida material, do conflito existente entre forças produtivas e relações de produção sociais. Uma formação social nunca decai antes de estarem desenvolvidas todas as forças produtivas para as quais é suficientemente ampla, e nunca surgem relações de produção novas e superiores antes de as condições materiais de existência das mesmas terem sido chocadas no seio da própria sociedade velha. Por isso a humanidade coloca sempre a si mesma apenas as tarefas que pode resolver, pois que, a uma consideração mais rigorosa, se achará sempre que a própria tarefa só aparece onde já existem, ou pelo menos estão no processo de se formar, as condições materiais da sua resolução. Nas suas grandes linhas, os modos de produção asiático, antigo, feudal e, modernamente, o burguês podem ser designados como épocas progressivas da formação económica e social. As relações de produção burguesas são a última forma antagónica do processo social da produção, antagónica não no sentido de antagonismo individual, mas de um antagonismo que decorre das condições sociais da vida dos indivíduos; mas as forças produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa criam, ao mesmo tempo, as condições materiais para a resolução deste antagonismo. Com esta formação social encerra-se, por isso, a pré-história da sociedade humana.

Friedrigh Engels, com quem mantive por escrito uma constante troca de ideias desde o aparecimento do seu genial esboço para a crítica das categorias económicas (nos Deutsch-Französi-sche Jahrbücher), tinha chegado comigo, por uma outra via (comp. a sua Situação da Classe Operária em Inglaterra), ao mesmo resultado, e quando, na Primavera de 1845, ele se radicou igualmente em Bruxelas, decidimos esclarecer em conjunto a oposição da nossa maneira de ver contra a [maneira de ver] ideológica da filosofia alemã, de facto ajustar contas com a nossa consciência [Gewissen] filosófica anterior. Este propósito foi executado na forma de uma crítica à filosofia pós-hegeliana. O manuscrito, dois grossos volumes em oitavo, chegara havia muito ao seu lugar de publicação na Vestefália quando recebemos a notícia de que a alteração das circunstâncias não permitia a impressão do livro. Abandonámos o manuscrito à crítica roedora dos ratos de tanto melhor vontade quanto havíamos alcançado o nosso objectivo principal — autocompreensão. Dos trabalhos dispersos em que apresentámos então ao público as nossas opiniões, focando ora um aspecto ora outro, menciono apenas o Manifesto do Partido Comunista, redigido conjuntamente por Engels e por mim, e um Discours sur le libre échange publicado por mim. Os pontos decisivos da nossa maneira de ver foram primeiro referidos cientificamente, se bem que polemicamente, no meu escrito editado em 1847, e dirigido contra Proudhon, Misere de la philosophie, etc. Um estudo escrito em alemão sobre o Trabalho Assalariado, em que juntei as minhas conferências sobre este assunto proferidas na Associação dos Operários Alemães em Bruxelas, foi interrompido no prelo pela revolução de Fevereiro e pelo meu afastamento forçado da Bélgica ocorrido em consequência da mesma.

A publicação da Neue Rheinische Zeitung em 1848 e 1849, e os acontecimentos que posteriormente se seguiram interromperam os meus estudos económicos, os quais só puderam ser retomados em Londres no ano de 1850. O material imenso para a história da economia política que está acumulado no British Museum, o ponto de vista favorável que Londres oferece para a observação da sociedade burguesa, [e] finalmente o novo estádio de desenvolvimento em que esta última pareceu entrar com a descoberta do ouro da Califórnia e da Austrália determinaram-me a começar de novo tudo de princípio e a trabalhar criticamente o novo material. Estes estudos conduziram, em parte por si mesmos, a disciplinas aparentemente muito distanciadas em que eu tinha de permanecer menos ou mais tempo. Mas o tempo ao meu dispor era nomeadamente reduzido pela necessidade imperiosa de uma actividade remunerada. A minha colaboração, agora de oito anos, no primeiro jornal anglo-americano, o New-York Tribune, tornou necessária, como só excepcionalmente me ocupo com correspondência jornalística propriamente dita, uma extraordinária dispersão dos estudos. Entretanto, [os] artigos sobre acontecimentos económicos notórios em Inglaterra e no Continente constituíam uma parte tão significativa da minha colaboração que fui obrigado a familiarizar-me com pormenores práticos que ficam fora do âmbito da ciência da economia política propriamente dita.

Este esboço sobre o curso dos meus estudos na área da economia política serve apenas para demonstrar que as minhas opiniões, sejam elas julgadas como forem e por menos que coincidam com os preconceitos interesseiros das classes dominantes, são o resultado duma investigação conscienciosa e de muitos anos. À entrada para a ciência, porém, como à entrada para o inferno, tem de ser posta a exigência: 

Qui si convien lasciare ogni sospetto
Ogni viltà convien che qui sia morta. 

Karl Marx
Londres, em Janeiro de 1859



Karl Marx, 1873: "Posfácio da 2a edição alemã", O Capital. 

Fonte: https://www.marxists.org/portugues/marx/1867/ocapital-v1/prefacioseposfacios.htm#posfacio1873

(..)
Uma excelente tradução russa de O Capital apareceu a público na primavera de 1872 em Petersburgo. A edição, de 3.000 exemplares, está quase esgotada. Já em 1871 o Sr. N. Sieber, professor de economia política da Universidade de Kiev, no seu livro A Teoria do valor e do Capital em D. Ricardo apontara a minha teoria do valor, do dinheiro e do capital, nos seus traços fundamentais, como uma continuação necessária da teoria de Smith e Ricardo. O que neste livro sério e profundo surpreende o leitor ocidental é a coerente solidez da posição teórica pura.

O método utilizado em O Capital foi pouco compreendido, a avaliar pelas interpretações contraditórias que dele foram feitas.

Assim, a Révue positiviste de Paris censura-me ao mesmo tempo o ter feito economia política metafísica e - adivinhem o quê? - ter-me limitado a uma simples análise crítica dos elementos dados em vez de formular receitas (comtianas?) para as panelas do futuro. Quanto à acusação de metafísica, eis o que pensa N. I. Sieber, professor de economia política na Universidade de Kiev: "No que se refere à teoria propriamente dita, o método de Marx é o de toda a escola inglesa, o método dedutivo cujas vantagens e inconvenientes são comuns aos maiores teóricos de economia política".

Por sua vez, o Sr. Maurice Block acha que o meu método é analítico, chegando a afirmar: "Por esta obra, o Sr. Marx coloca-se entre os espíritos analíticos mais eminentes"3. Naturalmente, na Alemanha, os autores de recensões gritam por sofística hegeliana. O Mensageiro Europeu, revista russa publicada em São Petersburgo, declara num artigo inteiramente consagrado ao método de O Capital que o meu processo de investigação é rigorosamente realista, mas que o método de exposição é, infelizmente, à maneira dialéctica alemã. "À primeira vista - diz essa publicação -, a se julgar de acordo com a forma exterior de exposição, Marx é um perfeito idealista, e isso no sentido alemão, isto é, no mau sentido da palavra. Na realidade, porém, ele é infinitamente mais realista que qualquer daqueles que o precederam no campo da economia crítica... Não se pode, de modo algum, chamar-lhe idealista".

Não poderia responder melhor ao escritor russo que por extractos da sua própria crítica, que podem, aliás, interessar o leitor. Após uma citação tirada do meu prefácio Para a Crítica da Economia Política (Berlim, 1859, p. IV-VII), onde discuto a base materialista do meu método, o autor continua assim: "Uma só coisa preocupa Marx: encontrar a lei dos fenómenos que estuda; e não só a lei que os rege sob a sua forma acabada e na sua ligação observável durante um certo período de tempo. Não: o que lhe interessa, acima de tudo, é a lei da sua transformação, do seu desenvolvimento, isto é, a lei da sua passagem de uma forma a outra, de uma ordem de ligação a outra. Uma vez descoberta esta lei, examina detalhadamente os efeitos através dos quais ela se manifesta na vida social. Assim, pois, é apenas esta a preocupação de Marx: demonstrar por meio de uma investigação rigorosamente científica a necessidade de determinadas ordens de relações sociais, e, tanto quanto possível, verificar os factos que lhe serviram de ponto de partida e de ponto de apoio. Para isso, basta que demonstre, ao mesmo tempo que a necessidade da organização actual, a necessidade de uma outra organização à qual a primeira tem inevitavelmente de passar, creia nela ou não a humanidade, tenha dela ou não consciência. Ele considera o movimento social como um encadeamento natural de fenómenos históricos, encadeamento sujeito a leis que não só são independentes da vontade, da consciência e dos desígnios do homem, mas que, pelo contrário, determinam a sua vontade, a sua consciência e os seus desígnios (...) Se o elemento consciente desempenha um papel tão secundário na história da civilização, daí resulta naturalmente que a crítica, cujo objecto é a própria civilização, não pode ter como base nenhuma forma da consciência nem qualquer facto da consciência. Não é a ideia, mas apenas o fenómeno exterior que pode servir-lhe de ponto de partida. A crítica limita-se a comparar, a confrontar um facto, não com a ideia, mas com outro facto; só exige que os dois factos tenham sido observados tão exactamente quanto possível e que na realidade constituam, um em relação ao outro, duas fases de desenvolvimento diferentes; acima de tudo, exige que a série de fenómenos, a ordem na qual aparecem como fases de evolução sucessivas, sejam estudadas com não menos rigor. Mas, dir-se-á, as leis gerais da vida económica são só umas, sempre as mesmas, quer se apliquem ao presente ou ao passado. É precisamente isto que Marx contesta; para ele estas leis abstractas não existem (...) pelo contrário, segundo ele, cada período histórico tem as suas próprias leis (...) Desde que a vida saiu de um determinado período de desenvolvimento, desde que passa de uma fase a outra, começa também a ser regida por outras leis. Em suma, a vida económica apresenta, no seu desenvolvimento histórico, os mesmos fenómenos que se encontram noutros ramos da biologia (...) Os velhos economistas enganavam-se sobre a natureza das leis económicas quando as comparavam às leis da física e da química (...) Uma análise mais aprofundada dos fenómenos mostrou que os organismos sociais se distinguem tanto uns dos outros como os organismos animais e vegetais (...) Mais: um único e mesmo fenómeno obedece (...) a leis absolutamente diferentes logo que a estrutura global destes organismos se altere, logo que os seus órgãos particulares variem, logo que as condições em que funcionam mudem, etc. Marx nega, por exemplo, que a lei da população seja a mesmo em todos os tempos e em todos os lugares. Afirma, pelo contrário, que cada época económica tem a sua lei de população própria (...) que o que se passa na vida económica depende do grau de produtividade das forças económicas (...). Com desenvolvimentos diferentes da força produtiva, mudam as relações sociais e as leis que as regem. Situando-se nesta perspectiva para examinar a ordem económica capitalista, Marx nada mais faz que formular, de uma maneira rigorosamente científica, a tarefa imposta a qualquer estudo exacto da vida económica... O valor científico de tal estudo está na explicação das leis específicas que regem o nascimento, a vida, o crescimento e a morte de um determinado organismo social e a sua substituição por outro superior; é esse valor que a obra de Marx possui".

Definindo o que ele chama o meu método de investigação com tanta justeza, e, no que respeita à aplicação que dele fiz, com tanta benevolência, o que definiu o autor senão o método dialéctico?

Certamente, o processo de exposição deve distinguir-se formalmente do processo de investigação. Cabe à investigação apropriar-se da matéria em todos os seus pormenores, analisar as diversas formas do seu desenvolvimento e descobrir a sua relação íntima. É somente depois de concluída esta tarefa que o movimento real pode ser exposto no seu conjunto. Se se conseguir chegar a esse ponto de tal modo que a vida da matéria se reflicta na sua reprodução ideal, isso pode levar a acreditar numa construção a priori.

O meu método dialéctico não só difere, pela sua base, do método hegeliano, mas é exactamente o seu oposto. Para Hegel, o movimento do pensamento, que ele personifica com o nome de Ideia, é o demiurgo da realidade, que não é senão a forma fenomenal da Ideia. Para mim, pelo contrário, o movimento do pensamento é apenas o reflexo do movimento real, transposto e traduzido no cérebro do homem.

O lado místico da dialéctica hegeliana critiquei-o há cerca de trinta anos, numa época em que ainda estava em moda. No entanto, precisamente na altura em que eu preparava o primeiro volume de O Capital, os epígonos impertinentes, arrogantes e medíocres que agora têm a primeira palavra na Alemanha culta, compraziam-se em tratar Hegel tal como no tempo de Lessing o bravo Moses Mendelssohn tratava Spinoza: como um "cão morto". Declarei-me então abertamente discípulo desse grande pensador, chegando mesmo, aqui e além, a jogar com os seus modos de expressão peculiares, no capítulo sobre a teoria do valor.

Mas ainda que, devido ao seu quiproquó, Hegel desfigure a dialéctica pelo misticismo, não deixa de ter sido ele o primeiro a expor o seu movimento de conjunto. Em Hegel ela encontra-se de cabeça para baixo; basta virá-la ao contrário para lhe encontrar uma fisionomia perfeitamente razoável, [para descobrir sob o invólucro místico o seu núcleo racional].

Na sua forma mistificada, a dialéctica tornou-se uma moda na Alemanha, porque parecia glorificar as coisas existentes. No seu aspecto racional ela é um escândalo e uma abominação para as classes dominantes e para os seus ideólogos doutrinários, porque na concepção positiva das coisas existentes ela inclui, ao mesmo tempo, a inteligência da sua negação fatal, da sua destruição necessária; porque, apoderando-se do próprio movimento, de que qualquer forma feita não passa de uma configuração transitória, nada se lhe pode impor; porque é essencialmente crítica e revolucionária.

O movimento contraditório da sociedade capitalista faz-se sentir ao burguês prático da maneira mais evidente pelas vicissitudes da indústria moderna através do seu ciclo periódico, e do seu ponto culminante - a crise geral. Apercebemos já o retorno dos seus pródromos. A crise aproxima-se mais uma vez. Pela universalidade do seu campo de acção e pela intensidade dos seus efeitos, vai fazer com que a dialéctica entre mesmo na cabeça dos trapaceiros que cresceram como cogumelos no novo Santo-Império Germano-Prussiano.

Londres, 24 de Janeiro de 1873.
__

3 "Les Théoriciens du socialisme en Allemagne", In Journal des économistes, Juillet-aout, 1872 







Friederich Engels, 1880: "Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico", II – Dialética

(..)
Quando nos detemos a pensar sobre a natureza, ou sobre a história humana, ou sobre nossa própria atividade espiritual, deparamo-nos em primeiro plano com a imagem de uma trama infinita de concatenações e influências recíprocas em que nada permanece o que era, nem como e onde era, mas tudo se move e se transforma, nasce e morre. Vemos, pois, antes de tudo, a imagem de conjunto, na qual os detalhes passam ainda mais ou menos para o segundo plano; fixamo-nos mais no movimento, nas transições, na concatenação do que no que se move, se transforma e se concatena. Essa concepção do mundo, primitiva, ingênua, mas essencialmente exata, é a dos filósofos gregos antigos, e aparece claramente expressa pela primeira vez em Heráclito: tudo é e não é, pois tudo flui, tudo se acha sujeito a um processo constante de transformação, de incessante nascimento e caducidade. Mas essa concepção, por mais exatamente que reflita o caráter geral do quadro que nos é oferecido pelos fenômenos, não basta para explicar os elementos isolados que formam esse quadro total; sem conhecê-los, a imagem geral não adquirirá tampouco um sentido claro. Para penetrar nesses detalhes temos de despregá-los do seu tronco histórico ou natural e investigá-los separadamente, cada qual por si, em seu caráter, causas e efeitos especiais, etc. Tal é a missão primordial das ciências naturais e da história, ramos de investigação que os gregos clássicos situavam, por motivos muito justificados, num plano puramente secundário, pois primariamente deviam dedicar-se a acumular os materiais científicos necessários. Enquanto não se reúne uma certa quantidade de materiais naturais e históricos, não se pode proceder ao exame crítico, à comparação e, consequentemente, à divisão em classes, ordens e espécies. Por isso, os rudimentos das ciências naturais exatas não foram desenvolvidos senão a partir dos gregos do período alexandrino (6) e, mais tarde, na Idade Média, pelos árabes; a ciência autêntica da natureza data semente da segunda metade do século XV e, desde então, não fez senão progredir a ritmo acelerado. A análise da natureza em suas diversas partes, a classificação dos diversos processos e objetos naturais em determinadas categorias, a pesquisa interna dos corpos orgânicos segundo sua diversa estrutura anatômica, foram outras tantas condições fundamentais a que obedeceram os gigantescos progressos realizados, durante os últimos quatrocentos anos, no conhecimento científico da natureza. Esses métodos de investigação, porém, nos transmitiram, ao lado disso, o hábito de enfocar as coisas e os processos da natureza isoladamente, subtraídos à concatenação do grande todo; portanto, não em sua dinâmica, mas estaticamente; não como substancialmente variáveis, mas como consistências fixas; não em sua vida, mas em sua morte. Por isso esse método de observação, ao transplantar-se, com Bacon e Locke, das ciências naturais para a filosofia, determinou a estreiteza específica característica dos últimos séculos: o método metafísico de especulação.

Para o metafísico, as coisas e suas imagens no pensamento, os conceitos, são objetos de investigação isolados, fixos, rígidos, focalizados um após o outro, de per si, como algo dado e perene. Pensa só em antíteses, sem meio-termo possível; para ele, das duas uma: sim, sim; não, não; o que for além disso, sobra. Para ele, uma coisa existe ou não existe; um objeto não pode ser ao mesmo tempo o que é e outro diferente. O positivo e o negativo se excluem em absoluto. A causa e o efeito revestem também, aos seus olhos, a forma de uma rígida antítese. À primeira vista, esse método discursivo parece-nos extremamente razoável porque é o do chamado senso comum. Mas o próprio senso comum - personagem multo respeitável dentro de casa, entre quatro paredes - vive peripécias verdadeiramente maravilhosas quando se aventura pelos caminhos amplos da investigação; e o método metafísico de pensar, pois muito justificado e até necessário que seja em muitas zonas do pensamento, mais ou menos extensas segundo a natureza do objeto de que se trate, tropeça sempre, cedo ou tarde, com uma barreira, ultrapassada a qual converte-se num método unilateral, limitado, abstrato, e se perde em insolúveis contradições, pois, absorvido pelos objetos concretos, não consegue perceber sua concatenação; preocupado com sua existência, não atenta em sua origem nem em sua caducidade; obcecado pelas árvores, não consegue ver o bosque. Na realidade de cada dia, sabemos por exemplo, e podemos dizer com toda certeza, se um animal existe ou não; porém, pesquisando mais detidamente, verificamos que às vezes o problema se complica consideravelmente, como sabem muito bem os juristas, que tanto e tão inutilmente têm-se atormentado por descobrir um limite racional a partir do qual deva a morte do filho no ventre materno ser considerada um assassinato; nem é fácil tampouco determinar rigidamente o momento da morte, uma vez que a fisiologia demonstrou que a morte não é um fenômeno repentino, instantâneo, mas um processo muito longo. Do mesmo modo, todo ser orgânico é, a qualquer instante, ele mesmo e outro; a todo instante, assimila matérias absorvidas do exterior e elimina outras do seu interior; a todo instante morrem certas células e nascem outras em seu organismo; e, no transcurso de um período mais ou menos demorado, a matéria de que é formado renova-se totalmente, e novos átomos de matérias vêm ocupar o lugar dos antigos, por onde todo o seu ser orgânico é, ao mesmo tempo, o que é e outro diferente. Da mesma maneira, observando as coisas detidamente, verificamos que os dois polos de uma antítese, o positivo e o negativo, são tão inseparáveis quanto antitéticos um do outro e que, apesar de todo o seu antagonismo, se penetram reciprocamente; e vemos que a causa e o efeito são representações que somente regem, como tais, em sua aplicação ao caso concreto, mas que, examinando o caso concreto em sua concatenação com a imagem total do universo, se juntam e se diluem na idéia de uma trama universal de ações e reações, em que as causas e os efeitos mudam constantemente de lugar e em que o que agora ou aqui é efeito adquire em seguida ou ali o caráter de causa, e vice-versa.

Nenhum desses fenômenos e métodos discursivos se encaixa no quadro das especulações metafísicas. Ao contrário, para a dialética, que focaliza as coisas e suas imagens conceituais substancialmente em suas conexões, em sua concatenação, em sua dinâmica, em seu processo de nascimento e caducidade, fenômenos como os expostos não são mais que outras tantas confirmações de seu modo genuíno de proceder. A natureza é a pedra de toque da dialética, e as modernas ciências naturais nos oferecem para essa prova um acervo de dados extraordinariamente copiosos e enriquecido cada dia que passa, demonstrando com isso que a natureza se move, em última instância, pelos caminhos dialéticos e não pelas veredas metafísicas, que não se move na eterna monotonia de um ciclo constantemente repetido, mas percorre uma verdadeira história. Aqui é necessário citar Darwin, em primeiro lugar, quem, com sua prova de que toda a natureza orgânica existente, plantas e animais, e entre eles, como é lógico, o homem, é o produto de um processo de desenvolvimento de milhões de anos, assestou na concepção metafísica da natureza o mais rude golpe. Até hoje, porém, os naturalistas que souberam pensar dialeticamente podem ser contados com os dedos, e esse conflito entre os resultados descobertos e o método discursivo tradicional põe a nu a ilimitada confusão que reina presentemente na teoria das ciências naturais e que constitui o desespero de mestres e discípulos, de autores e leitores.

Somente seguindo o caminho da dialética, não perdendo jamais de vista as inumeráveis ações e reações gerais do devenir e do perecer, das mudanças de avanço e retrocesso, chegamos a uma concepção exata do universo, do seu desenvolvimento e do desenvolvimento da humanidade, assim como da imagem projetada por esse desenvolvimento nas cabeças dos homens. E foi esse, com efeito, o sentido em que começou a trabalhar, desde o primeiro momento, a moderna filosofia alemã. Kant iniciou sua carreira de filósofo dissolvendo o sistema solar estável de Newton e sua duração eterna - depois de recebido o primeiro impulso - num processo histórico: no nascimento do Sol e de todos os planetas a partir de uma massa nebulosa em rotação. Daí, deduziu que essa origem implicava também, necessariamente, a morte futura do sistema solar. Meio século depois sua teoria foi confirmada matematicamente por Laplace e, ao fim de outro meio século, o espectroscópio veio demonstrar a existência no espaço daquelas massas igneas de gás, em diferente grau de condensação.

A filosofia alemã moderna encontrou sua culminância no sistema de Hegel, em que pela primeira vez - e aí está seu grande mérito - se concebe todo o mundo da natureza, da história e do espírito como um processo, isto é, em constante movimento, mudança, transformação e desenvolvimento, tentando além disso ressaltar a intima conexão que preside esse processo de movimento e desenvolvimento. Contemplada desse ponto de vista, a história da humanidade já. não aparecia como um caos inóspito de violências absurdas, todas igualmente condenáveis diante do foro da razão filosófica hoje já madura, e boas para serem esquecidas quanto antes, mas como o processo de desenvolvimento da própria humanidade, que cabia agora ao pensamento acompanhar em suas etapas graduais e através de todos os desvios, e demonstrar a existência de leis internas que orientam tudo aquilo que à primeira vista poderia parecer obra do acaso cego.

Não importava que o sistema de Hegel não resolvesse o problema que se propunha. Seu mérito, que marca época, consistiu em tê-lo proposto. Não em vão, trata-se de um problema que nenhum homem sozinho pôde resolver. E embora fosse Hegel, como Saint-Simon, a cabeça mais universal de seu tempo, seu horizonte achava-se circunscrito, em primeiro lugar, pela limitação inevitável de seus próprios conhecimentos e, em segundo lugar, pelos conhecimentos e concepções de sua época, limitados também em extensão e profundidade. Deve-se acrescentar a isso uma terceira circunstância. Hegel era idealista; isto é, para ele as idéias de sua cabeça não eram imagens mais ou menos abstratas dos objetos ou fenômenos da realidade, mas essas coisas e seu desenvolvimento se lhe afiguravam, ao contrário, como projeções realizadas da "Idéia", que já existia, não se sabe como, antes de existir o mundo. Assim, foi tudo posto de cabeça para baixo e a concatenação real do universal apresentava-se completamente às avessas. E por mais exatas e mesmo geniais que fossem várias das conexões concretas concebidas por Hegel, era inevitável, pelos motivos que acabamos de apontar, que muitos dos seus detalhes tivessem um caráter amaneirado, artificial, construído; em uma palavra, falso. O sistema de Hegel foi um aborto gigantesco, mas o último de seu gênero. De fato, continuava sofrendo de uma contradição interna incurável; pois, enquanto de um lado partia como pressuposto inicial da concepção histórica, segundo a qual a história humana é um processo de desenvolvimento que não pode, por sua natureza, encontrar o arremate intelectual na descoberta disso que chamam verdade absoluta, de outro lado nos é apresentado exatamente como a soma e a síntese dessa verdade absoluta. Um sistema universal e definitivamente plasmado do conhecimento da natureza e da história é incompatível com as leis fundamentais do pensamento dialético - que não exclui, mas, longe disso, implica que o conhecimento sistemático do mundo exterior em sua totalidade possa progredir gigantescamente de geração em geração.

A consciência da total inversão em que incorria o idealismo alemão levou necessariamente ao materialismo; mas não, veja-se bem, àquele materialismo puramente metafísico e exclusivamente mecânico do século XVIII. Em oposição à simples repulsa, ingenuamente revolucionária, de toda a história anterior, o materialismo moderno vê na história o processo de desenvolvimento da humanidade, cujas leis dinâmicas é missão sua descobrir. Contrariamente à idéia da natureza que imperava entre os franceses do século XVIII, assim como em Hegel, em que esta era concebida como um todo permanente e invariável, que se movia dentro de ciclos estreitos, com corpos celestes eternos, tal como Newton os representava, e com espécies invariáveis de seres orgânicos, como ensinara Lineu, o materialismo moderno resume e compendia os novos progressos das ciências naturais, segundo os quais a natureza tem também a sua história no tempo, e os mundos, assim como as espécies orgânicas que em condições propícias os habitam, nascem e morrem, e os ciclos, no grau em que são admissíveis, revestem dimensões infinitamente mais grandiosas. Tanto em um como em outro caso, o materialismo moderno é substancialmente dialético e já não precisa de uma filosofia superior às demais ciências. Desde o momento em que cada ciência tem que prestar contas da posição que ocupa no quadro universal das coisas e do conhecimento dessas coisas, já não há margem para uma ciência especialmente consagrada ao estudo das concatenações universais. Da filosofia anterior, com existência própria, só permanece de pé a teoria do pensar e de suas leis: a lógica formal e a dialética. O demais se dissolve na ciência positiva da natureza e da história. (..)
__

(6) O período alexandrino de desenvolvimento da ciência abrange desde o século III antes de nossa era até o século VII de nossa era, recebendo o seu nome da cidade de Alexandria, no Egito, um dos mais importantes centros das relações econôm1ca internacionais daquela época. No período alexandrino adquiriram grande desenvolvimento várias ciências: as matemáticas (com Euclides e Arquimedes), a geografia, a astronomia, a anatomia, a fisiologia, etc. (N. da R.)







Leon Trotsky, 15 de dezembro de 1939: “Uma Oposição Pequeno-Burguesa no Socialist Workers Party”, em Em Defesa do Marxismo
Fonte: https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1939/12/15_01.htm


(..)
No ano passado, recebi a visita de um jovem professor inglês de economia política, simpatizante da Quarta Internacional. Durante nossa conversa sobre as formas e meios para realizar o socialismo, ele expressou, repentinamente, as tendências do utilitarismo inglês, no espírito de Keynes e outros: "É necessário fixar um claro objetivo econômico, eleger os meios mais racionais para a sua realização" etc. Eu assinalei: "Vejo que você é um adversário da dialética". Respondeu-me com certo assombro: "Sim, não vejo nada de útil na dialética". "No entanto — respondi-lhe — a dialética me permitiu determinar, fundamentando-me em umas poucas observações suas sobre problemas econômicos, a que setor do pensamento filosófico você pertence. Só este fato demonstra que existe um valor apreciável na dialética". A partir de então, ainda que não tenha tido noticias sobre meu visitante, não tenho nenhuma dúvida de que ele defende a Opinião de que a URSS não é um Estado operário, que a defesa incondicional da URSS é uma opinião "fora de moda", que nossos métodos organizativos são maus etc. Assim como podemos estabelecer o tipo geral de pensamento de uma dada pessoa baseados na sua relação com os problemas práticos, concretos, também é possível predizer, aproximadamente, e uma vez conhecendo seu tipo geral de pensamento, como ele se aproximará de um determinado indivíduo ou de outra questão prática. Este é o incomparável valor educativo do método dialético de pensamento.


O ABC da dialética materialista

Céticos gangrenosos como Souvarine acreditam que "ninguém sabe" o que é a dialética. E existem "marxistas" que se inclinam a fazer uma reverência diante de Souvarine, e esperam aprender algo com ele. E estes marxistas não só se escondem na Modern Monthly. Infelizmente, existe uma corrente de souvarinistas na atual oposição do SWP. E aqui, é necessário advertir os camaradas jovens: cuidado com esta infecção maligna!

A dialética não é ficção ou misticismo, mas uma ciência das formas de nosso pensamento, na medida em que não se limita aos problemas cotidianos da vida, mas tenta chegar a uma compreensão de processos mais amplos e complicados. A dialética e a lógica formal mantêm uma relação semelhante à que existe entre as matemáticas inferiores e as superiores.

Aqui, tentarei esboçar a essência do problema, de forma bem resumida. A lógica aristotélica, do silogismo simples, parte da proposição de que "A" é igual a "A". Aceita-se este postulado como axioma para uma quantidade de ações humanas práticas e de generalizações elementares. Mas, na verdade, "A" não é igual a "A". Isto é fácil de demonstrar, se observarmos estas duas letras com uma lente: são completamente diferentes uma da outra. Porém, alguém pode dizer que a questão não é o tamanho ou a forma das letras, uma vez que são somente símbolos de quantidades iguais, por exemplo, de uma libra de açúcar. A objeção é incongruente; na verdade, uma libra de açúcar nunca é igual a uma libra de açúcar: uma balança mais precisa sempre descobrirá uma diferença. Novamente, alguém pode objetar: no entanto, uma libra de açúcar é igual a si mesma. Isso também não é verdade: todos os corpos mudam constantemente, de tamanho, peso, cor etc. Nunca são iguais a si mesmos. Um sofista responderá que uma libra de açúcar é igual a si mesma "em um dado momento". Além do valor prático extremamente duvidoso deste "axioma", este também não suporta uma crítica teórica. Como devemos conceber, realmente, a palavra "momento"? Se se trata de um intervalo infinito e sinal de tempo, então uma libra de açúcar está submetida, durante o transcurso desse "momento", a mudanças inevitáveis. Ou o "momento" é uma abstração puramente matemática, ou seja, zero tempo? Porém, tudo existe no tempo; e a própria existência é um processo ininterrupto de transformação; conseqüentemente, o tempo é um elemento fundamental da existência. Deste modo, o axioma "A" é igual a "A", significa que uma coisa é igual a si mesmo se não se modifica, isto é, se não existe.

À primeira vista, poderia parecer que essas "sutilezas" são inúteis. Na verdade, são de uma importância decisiva. O axioma "A" é igual a "A" é, por um lado, ponto de partida de todos os nossos conhecimentos e, por outro, é também o ponto de partida de todos os erros do nosso conhecimento. Pode ser utilizado com uniformidade somente dentro de certos limites. Se as mudanças quantitativas de "A" são desprezíveis para a questão que temos na mão, então podemos presumir que "A" é igual a "A". É deste modo, por exemplo, que o vendedor e o comprador consideram uma libra de açúcar. Da mesma forma, consideramos a temperatura do Sol. Até pouco tempo atrás, considerávamos desta forma o poder aquisitivo do dólar. Porém, quando as mudanças quantitativas ultrapassam certos limites, se convertem em mudanças qualitativas. Uma libra de açúcar submetida à ação da água, ou do querosene, deixa de ser uma libra de açúcar. Nas mãos de um presidente, um dólar deixa de ser um dólar. Determinar o momento preciso, o ponto crítico, em que a quantidade se transforma em qualidade é uma das tarefas mais importantes e difíceis em todas as esferas do conhecimento, inclusive a sociologia.

Todo operário sabe que é impossível elaborar dois objetos completamente iguais. Na transformação do bronze em cones, permite-se certo desvio nos cones sempre que este não ultrapasse certos limites (chama-se isto de tolerância). Ainda que se respeitem as normas de tolerância, os cones são considerados iguais ("A" é igual a "A"). Quando se excede a tolerância, a quantidade se transforma em qualidade; em outras palavras, os cones são de qualidade inferior ou completamente inúteis.

Nosso pensamento científico é somente uma parte de nossa prática geral, incluindo as técnicas. Para os conceitos também existe uma "tolerância", que não está fixada pela lógica formal baseada no axioma "A" é igual a "A", mas pela lógica dialética baseada no axioma de que tudo se modifica constantemente. O "sentido comum" se caracteriza pelo fato de que sistematicamente excede a "tolerância" dialética.

O pensamento vulgar trabalha com conceitos tais como capitalismo, moral, liberdade, Estado operário etc., considerando-os como abstrações fixas, presumindo que capitalismo é igual a capitalismo, moral é igual à moral etc. O pensamento dialético analisa todas as coisas e fenômenos em suas mudanças contínuas, uma vez que determina, nas condições materiais daquelas modificações, esse limite crítico em que “A" deixa de ser “A", um Estado operário deixa de ser um Estado operário.

O vício fundamental do pensamento vulgar radica no fato de querer se contentar com fotografias inertes de uma realidade que se compõe de eterno movimento. O pensamento dialético dá aos conceitos, através de aproximações sucessivas, correções, concreções, riqueza de conteúdo e flexibilidade; diria, inclusive, até certa suculência que, em certa medida, os aproxima dos fenômenos vivos. Não existe um capitalismo em geral, mas um capitalismo dado, em uma determinada etapa de desenvolvimento. Não existe um Estado operário em geral, mas um Estado operário determinado, em um país atrasado, rodeado por um cerco capitalista etc.

A relação entre o pensamento dialético e o pensamento comum é semelhante ao de um filme com uma fotografia. O filme não invalida a fotografia imóvel, mas combina uma série delas de acordo com as leis do movimento. A dialética não nega o silogismo, mas nos ensina a combinar os silogismos de tal forma que nos leve a uma compreensão mais certeira da realidade eternamente em mudança. Hegel, em sua Lógica, estabeleceu uma série de leis: mudança de quantidade em qualidade, desenvolvimento através das contradições, conflito entre o conteúdo e a forma, interrupção da continuidade em mudança, da possibilidade em inevitabilidade etc., que são tão importantes para o pensamento teórico como o silogismo simples para as tarefas mais elementares.

Hegel escreveu antes que Darwin e antes que Marx. Graças ao poderoso impulso que a Revolução Francesa deu ao pensamento, Hegel antecipou o movimento geral da ciência. Mas porque era somente uma antecipação, ainda que feita por um gênio, recebeu de Hegel um caráter idealista. Hegel trabalhava com sombras ideológicas como realidade final. Marx demonstrou que o movimento dessas sombras ideológicas não refletia outra coisa que o movimento de corpos materiais.

Chamamos nossa dialética de materialista porque suas raízes não estão no céu nem nas profundezas do "livre arbítrio", mas na realidade objetiva, na natureza. A consciência surgiu do inconsciente, a psicologia da fisiologia, o mundo orgânico do mundo inorgânico, o sistema solar da nebulosa. Em todas as balizas desta escala de desenvolvimento, as mudanças quantitativas se transformaram em qualitativas. Nosso pensamento, inclusive o pensamento dialético, é somente uma das formas de expressão da matéria em modificação. Neste sistema não existe lugar para Deus nem para o Diabo, nem para a alma imortal, nem para modelos eternos de leis e morais. A dialética do pensamento, tendo surgido da dialética da natureza, possui, conseqüentemente, um caráter completamente materialista.

O darwinismo, que explicou a evolução das espécies através da marcha das transformações quantitativas em qualitativas, foi o maior triunfo da dialética em todo o terreno da matéria orgânica. Outro grande triunfo foi o descobrimento da tábua de pesos atômicos de elementos químicos e, posteriormente, a transformação de um elemento em outro.

A estas transformações (espécies, elementos etc.) está estreitamente ligada a questão da classificação, de igual importância nas ciências naturais e nas sociedades. O sistema de Linneo (século XVIII), que utilizava como ponto de partida a imutabilidade das espécies, se limitava à descrição e classificação das plantas, de acordo com suas características exteriores. O período infantil da botânica é análogo ao período infantil da lógica, já que as formas de nosso pensamento se desenvolvem como tudo o que vive. Somente o repúdio definitivo à idéia de espécie fixa, somente o estudo da história da evolução das plantas e sua anatomia, preparou as bases para uma classificação realmente científica.

Marx, que ao contrário de Darwin, era um dialético consciente, descobriu uma base para a classificação científica das sociedades humanas no desenvolvimento de suas forças produtivas e na estrutura das relações de propriedade, que constituem a anatomia social. O marxismo substituiu a vulgar classificação descritiva que ainda floresce nas universidades por uma classificação dialética marxista. Somente mediante a utilização do método de Marx é possível se determinar, corretamente, tanto o conceito do que seja um Estado operário como o momento de sua queda.

Como vemos, tudo isso não contém nada de "metafísico" ou "escolástico", como afirma a ignorância vaidosa. A lógica dialética expressa as leis do movimento no pensamento cientifico contemporâneo. A luta contra a dialética materialista expressa, ao contrário, um passado distante, o conservadorismo da pequena-burguesia, a auto-suficiência dos rotineiros universitários e... uma faísca de esperanças no outro mundo.







NACIONALIDADES



Leon Trotsky, 13 de junio de 1930 : “Carta a la redacción de Contra la Corriente”. Escritos sobre España 
(Edición de Juan Andrade y José Martínez. Ruedo Ibérico, 1971. Digitalización: Germinal)
https://www.marxists.org/espanol/trotsky/spain/19300613.htm


Las consignas democráticas


Este camino supone, por parte de los comunistas, un lucha resuelta, audaz y enérgica por las consignas democráticas. No comprenderlo sería cometer la mayor falta sectaria. En la etapa actual de la revolución, en el terreno de las consignas políticas, el proletariado se distingue de todos los otros grupos "izquierdistas" de la pequeña burguesía no por el hecho de que niega la democracia, como lo hacen los anarquistas y sindicalistas, sino por el hecho de lucha resuelta y abierta por esta consigna, al mismo tiempo que denuncia implacablemente las vacilaciones de la pequeña burguesía. 

Poniendo por delante las consignas democráticas, el proletariado no quiere con ello decir que españa va hacia la revolución burguesa. Sólo podrían plantear así la cuestión fríos pedantes atiborrados de fórmulas rutinarias. España ha dejado muy lejos tras de sí el estadio de una revolución burguesa. 

Si la crisis revolucionaria se transforma en revolución, superará fatalmente los límites burgueses y, en caso de victoria, deberá entregar el poder al proletariado; pero el proletariado no puede dirigir la revolución en dicha época, es decir reunir alrededor suyo las más amplias masas de trabajadores y de oprimidos y convertirse en su guía, más que a condición de desarrollar actualmente, con sus reivindicaciones de clase y en relación con ellas, todas las reivindicaciones democráticas, íntegramente y hasta el fin. 

Esto tendría ante todo una importancia decisiva en lo que concierne al campesinado. (..) 


La cuestión nacional 

Sin embargo, ¿la vanguardia proletaria hace suya la consigna de la separación de Cataluña? Si es la expresión de la mayoría de la población, sí. No obstante, ¿cómo puede expresarse esta voluntad? Claro está, por medio de un plebiscito libre, por una asamblea de representantes de Cataluña, por los partidos influyentes a los que siguen las masas catalanas o, finalmente, por una rebelión nacional catalana. Esto nos demuestra de nuevo, y hay que hacerlo notar de paso, todo el pedantismo reaccionario que significaría por parte del proletariado el renunciar a las consignas democráticas. Sin embargo, hasta el momento en que la voluntad de la minoría nacional no se haya expresado, el proletariado no debe hacer suya la consigna de separación, pero garantizará por anticipado, abiertamente, su apoyo íntegro y sincero a esta consigna, en la medida en que exprese la voluntad de Cataluña. 

Inútil es decir que los obreros catalanes tienen en esta cuestión la última palabra. Si llegan a la conclusión de que sería inoportuno desperdigar sus fuerzas en las condiciones de la crisis actual, que abre al proletariado español los caminos más amplios y más audaces, los obreros catalanes deben llevar a cabo la propaganda para el mantenimiento de Cataluña, sobre bases determinadas, en el seno de España, y en cuanto a mí creo que el sentido político sugiere tal solución. Semejante solución sería momentáneamente aceptable, incluso para los separatistas más fervientes, puesto que es muy claro que, en caso de victoria de la revolución, sería inmensamente más fácil que hoy llegar a la libre disposición de Cataluña, como también de otras regiones. 

Apoyando todo movimiento verdaderamente democrático y revolucionario de las masas populares, la vanguardia comunista lleva a cabo una lucha sin compromiso contra la llamada burguesía republicana, desenmascarando su perfidia, su traición y su reaccionarismo, y resistiendo a su tentativa de someter a su influencia a las clases laboriosas. 

Los comunistas no renuncian jamás, en ninguna condición, a la libertad de su política. (Continua)





Leon Trotsky, 17 de mayo de 1931 (A los camaradas de Madrid): "La Cuestión Catalana (Extracto de cartas a Nin y a Lacroix)”, em Escritos sobre la Revolución Española 1930-1936.

https://www.marxists.org/espanol/trotsky/rev-espan/1931abr-may.htm 

La revolución ha hecho despertar en España todas las cuestiones, más poderosamente que nunca, y entre ellas la de las nacionalidades. Las tendencias y las ilusiones nacionales están representadas fundamentalmente por los intelectuales pequeño burgueses, que se esfuerzan por encontrar entre los campesinos un apoyo contra el carácter desnacionalizador del gran capital y contra la burocracia del estado. El papel dirigente - en la actual fase - de la pequeña burguesía en el seno del movimiento de emancipación nacional, como en general en todo el movimiento democrático revolucionario, introduce inevitablemente prejuicios de toda clase. Procedentes de ese medio, las ilusiones nacionales se filtran también entre los obreros. Esta es seguramente, en su conjunto, la situación de Cataluña, y quizá hasta cierto punto de la Federación Catalana. Pero lo que acabo de decir no disminuye en nada el carácter progresista, revolucionário-democrático de la lucha nacional catalana contra el imperialismo burgués, la soberanía española y el centralismo burocrático. 


No se puede perder de vista ni por un momento que España entera, y Cataluña como parte constituyente de ese país, están actualmente gobernadas no por nacionales demócratas catalanes sino por burgueses imperialistas españoles, aliados a los grandes latifundistas, a los viejos burócratas y a los generales, con el apoyo de los socialistas nacionales. Toda esta cofradía tiene la intención de mantener, por una parte, la servidumbre de las colonias españolas, y, por outra, asegurar el máximo de centralización burocrática de la metrópoli; es decir, quiere el aplastamiento de los vascos, los catalanes y de las otras nacionalidades por la burguesía española. Dada la combinación presente de fuerzas de clase, el nacionalismo catalán es un factor revolucionario progresista en la fase actual. El nacionalismo español es un factor imperialista reaccionario. El comunista español que no comprenda esta distinción, que la ignore, que no la valore en primer plano y que, por el contrario, se esfuerce por minimizar su importancia, corre el peligro de convertirse en agente inconsciente de la burguesía española, y de estar perdido para siempre para la causa de la revolución proletaria. 


Dónde está el peligro de las ilusiones nacionales pequeño burguesas? En que pueden dividir al proletariado español en sectores nacionales. El peligro es muy serio. Los comunistas españoles pueden combatirlo con éxito, pero de una sola manera: denunciando implacablemente las violencias cometidas por la burguesía de la nación soberana y ganando así la confianza del proletariado de las nacionalidades oprimidas. Una política distinta equivaldría a sostener al nacionalismo reaccionario de la burguesía imperialista que es dueña del país, en contra del nacionalismo revolucionário-democrático de la pequeña burguesía de una nacionalidad oprimida. 






SOBRE A "REVOLUÇÃO POPULAR"



Leon Trotski, 14 de abril de 1931. “La revolución española al día - Cartas dirigidas al Secretariado Internacional y a los camaradas de la sección española”. Escritos sobre España
[Edición de Juan Andrade y José Martínez. Ruedo Ibérico, 1971. Digitalización: J. López]


Gracias por las citas del discurso de Thaelmann sobre la revolución «popular», de las que no me había dado cuenta. Es imposible imaginar un modo más estúpido y más cazurro de embrollar la cuestión planteándola. ¡Dar esa consigna de una «revolución popular», y además alegando a Lenin! Pero, veamos; cada número del periódico fascista de Strasser expone la misma consigna, en "contrapartida" de la divisa marxista: revolución de clase. Claro está, toda gran revolución es popular o nacional en el sentido de que agrupa en torno a la clase revolucionaria a todas las fuerzas vivas y creadoras de la nación, y porque reconstruye a ésta alrededor de un nuevo centro. [Pero esto no es una consigna, no es más que una descripción sociológica de la revolución?], una descripción que exige además esclarecimientos precisos y concretos. Si se quiere hacer de ello una consigna es una tontería, es charlatanismo, es oponer a los fascistas una competencia de bazar, y los obreros pagarán las consecuencias de este engaño.

Es muy asombrosa la evolución de las consignas sobre esta cuestión. Desde el III Congreso de la Internacional Comunista, la divisa «clase contra clase» se ha convertido en la expresión popular de la política del "frente único proletario". Fórmula absolutamente justa: todo los obreros deben apretar sus filas contra la burguesía. Pero enseguida se ha sacado también de la misma consigna una alianza con los burócratas reformistas contra los obreros (experiencia de la huelga general inglesa). Después se ha pasado al otro extremo: ningún acuerdo posible con los reformistas. «Clase contra clase»: esta fórmula, que debía servir para el acercamiento de los obreros socialdemócratas y de los obreros comunistas, ha adquirido, durante el «tercer periodo», el sentido de una lucha contra los obreros socialdemócratas; como si estos últimos fueran de una clase diferente. Ahora, nueva voltereta: revolución popular y no ya proletaria. El fascista Strasser dice que el 95 por 100 del pueblo tiene interés en la revolución y que, por consecuencia, se trata de una revolución popular, pero no de clase. Thaelmann repite la misma canción. De hecho, sin embargo, el obrero comunista debiera decir al obrero fascista: Sí, evidentemente, el 95 por 100, si es que no el 98 por 100 de la población es explotada por el capital financiero. Pero esta explotación está organizada jerárquicamente: explotadores, subexplotadores, explotadores de tercera clase, etc. Solamente por medio de esta gradación es como los superexplotadores mantienen en servidumbre a la mayoría de la nación. Para que la nación pueda efectivamente reconstituirse alrededor de un nuevo centro de clase, debe reconstruirse ideológicamente, lo que sólo es realizable si el proletariado, lejos de dejarse absorber por «el pueblo», por «la nación», desarrolla su "programa particular" de revolución "proletaria" y obliga a la pequeña burguesía a elegir entre los dos regímenes. La consigna de una revolución popular es una canción de cuna, adormecedora tanto para la pequeña burguesía como para las amplias masas obreras, les invita a resignarse a la estructura jerárquica burguesa del «pueblo» y retarda su emancipación. En Alemania, en las condiciones actuales, esta consigna de una revolución popular hace desaparecer toda demarcación ideológica entre el marxismo y el fascismo, reconcilia a una parte de los obreros y de la pequeña burguesía con la ideología fascista, permitiéndoles creer que no es necesario hacer una elección, puesto que, tanto de un lado como de otro, se trata de revolución popular. Estos revolucionarios incapaces, cada vez que tropiezan con un enemigo serio, piensan ante todo en acomodarse a él, adornándose con sus colores para conquistar a las masas, no mediante la lucha revolucionaria, sino mediante algún truco ingenioso. Ignominioso modo, verdaderamente, de plantear la cuestión. Si los débiles comunistas españoles se asimilasen esta fórmula, llegarían en su país a una política de Kuomintang.