Glossário de Política Contemporânea




Bolha imobiliária
Eufemismo que faz passar por secundário o papel da indústria do financiamento imobiliário e seus derivativos na economia de mercado contemporânea e por conjunturais os seus espasmos cada vez mais frequentes e devastadores. Sabe-se, no entanto, que o prestígio cada vez maior da mencionada indústria junto aos bancos e investidores - vale dizer, os proprietários privados de terabytes de capital sedento de valorização - provém da miraculosa capacidade que tem o solo urbanizado e bem localizado, ao contrário de quase todas as demais mercadorias que inundam esse mundo de Deus (sem ter, muitas vezes, quem as queira comprar), de tornar-se a cada dia mais essencial, mais escasso e, por conseguinte, mais valorizado e lucrativo - e o que é melhor: sem demandar um único centavo de investimento privado! O problema é que, por mais que os agiotas, digo, os banqueiros e investidores, se aproveitem da continuada valorização da terra urbana para fabricar dinheiro refinanciando os imóveis e vendendo os papagaios e outros agiotas, no fim das contas - no início da fila, para ser exato -, é indispensável que os pobres dos mutuários honrem seus compromissos. E é aí que a porca torce o rabo.



Comunidade internacional
Entidade virtual e informal alternativa à ONU, inventada pela Casa Branca para reverberar as suas opiniões como sendo o ponto de vista da humanidade civilizada, constituída por suas alianças diplomáticas e militares, instituições estatais, para-estatais e privadas, além de uma vasta rede mundial de acadêmicos e jornalistas que lhe prestam tributo diariamente. Embora nada tenham que ver com isso, muitos jornalistas e acadêmicos desavisados costumam não apenas admitir a sua existência real como atribuir-lhe foros de indiscutível legitimidade. Olho vivo, gente.


Comunismo
Entidade mítica (V. Fadinha do Dente) que se acredita ter existido na extinta União Soviética entre a Constituição de Stalin de 1936 e a Desconstituição de Gorbatchov de 1991 a despeito da razão teórica, da evidência empírica e da opinião do fundador da citada república (se é que um morto tem opinião). Tal fenômeno se explica pelo impacto mundial do Acordo de Normalização Semântica firmado em 1945, na cidade alemã de Potsdam, entre os líderes das grandes potências mundiais - prontamente aceito como "de fé" por um imenso contingente de empresários, jornalistas, acadêmicos e, obviamente, políticos dos cinco continentes - tudo facilitado pelo fato de que, depois dos Processos de Moscou (1936-1938), já não havia dentro da venerável República quem se dispusesse a entender de outra maneira. Os novos líderes da URSS preferiam, é certo, chamar seu sistema de "socialismo num só país" - uma entidade mítica de hierarquia inferior, como os semideuses -, termo mais tarde ajustado por acadêmicos e intelectuais amigos, do mundo inteiro, para "socialismo real".

Créditos bancários
Nome que se dá à Dívida Pública (V. verbete) quando o fluxo financeiro entre os bancos privados e os governos emperra.

Democracia
Designação seletivamente atribuída pela comunidade internacional (V. verbete) a regimes políticos considerados amigos da propriedade privada - mais exatamente dos grandes proprietários nacionais e estrangeiros - e fiadores de sua plena liberdade mediante o empenho sistemático na redução das regulações econômicas em geral e trabalhistas em particular. Aceitam-se simulacros de eleição e representação.


Dever de casa
Devastação periódica a que - na opinião de jornalistas abalizados, acadêmicos judiciosos e economistas empedernidos - os países devem se submeter, voluntariamente ou não, para fazer jus às alegrias do crescimento econômico e da prosperidade social. Até fins do século XX julgava-se que este método só era benéfico para os países pobres e “em desenvolvimento”. Considerando, porém, a prova empírica dos BRICS, que, tendo feito o “dever de casa” nas décadas de 1980 e 1990, iniciaram na década de 2000 uma etapa de crescimento impetuoso a ponto de conquistar o status de “emergentes”, essa técnica passou a ser usada também nos países ricos – a começar, é claro, de sua periferia imediata - para desespero da comunidade de economistas keynesianos. (Sinônimos: “políticas de austeridade”, "reformas estruturais", "remédio amargo"; Termo correlato: “capitalismo do desastre”. Indicação para pesquisa: Davis, Mike: Planeta-Favela).

Dívida Pública
Nome que se dão aos créditos bancários (V. verbete) quando o fluxo financeiro entre os bancos privados e os governos dos Estados nacionais está azeitado.

Falta de planejamento
Argumento de que lançam mão os adeptos do mercado desregulado em geral e jornalistas da grande imprensa em particular, contumazes adversários dos impostos, dos gastos públicos e do planejamento econômico, quando constrangidos a comentar os efeitos das turbulências naturais sobre as casas das pessoas que não têm acesso à terra urbanizada e adequadamente localizada quer pela via do mercado formal de imóveis quer por meio de programas do governo.

Grécia
País mítico do sudeste da Europa que, em fins do século XX, serviu de "laranja" aos bancos das comunidades européia e internacional (V. verbete) para a  fabricação  de torrentes de riqueza fictícia em forma de dívida pública (V. verbete) e privada, olímpica e imobiliária, decisivas para a prosperidade econômica do continente, com reflexos positivos em todo o mundo. Com o advento da inadimplência (V. verbete "Bolha imobiliária"), porém, muitos economistas perderam o rumo e não sabem dizer se a Grécia atual não tem importância alguma ou se é a chave do equilíbrio econômico e político mundial.

Legado olímpico
(1) Modalidade de empulhação das sociedades, sobretudo emergentes, que consiste em convencê-las, mediante intensa propaganda, de que certas obras públicas indispensáveis a serem executadas com décadas de atraso nas cidades-sedes só o serão devido à oportuna intermediação Comitê Olímpico Internacional junto aos governos locais, de modo a ofuscar a aplicação de montanhas de dinheiro público em equipamentos, serviços, subsídios e isenções de interesse exclusivo dos proprietários do fabuloso negócio do entretenimento planetário e seus sócios nacionais.

(2) Cota-parte dos rombos fiscais nacional, estadual e municipal correspondente aos gastos públicos com infraestrutura, equipamentos, serviços, subsídios e isenções fiscais visando à realização dos Jogos, inconveniente que, por força de um acordo de cavalheiros entre governos, oposições, órgãos de imprensa e corporações bancárias, industriais e comerciais, é tratado, em qualquer cenário econômico, com a circunspecção devida à solenidade do evento, máxima expressão da fraternidade entre os povos. (10-2015)


Mercado(s), o(s)
Termo utilizado por certa quantidade de analistas econômicos de jornais, rádio e TV para designar as bolsas de valores, mais exatamente o toma-lá-dá-cá entre os detentores da inacreditável variedade de títulos - ainda chamados de “papéis” embora não passem de terabytes de informação digital - de direito sobre bens e serviços que a sociedade não faz a menor ideia se um dia irá, de fato, produzir, mas que constitui desde já o conteúdo da riqueza dessa gente, analistas incluídos, vale dizer, o direito de consumir uma proporção correspondente dos bens e serviços que a sociedade planetária está produzindo agora, ainda que cada vez mais difícil de exercer quer seja porque o dia só tem 24 horas, das quais pelo menos seis se passa dormindo - mesmo em Abu Dahbi -, ou porque o envelhecimento saudável implica comer cada vez menos (como na África, por motivos opostos), sendo essa uma das razões da crise crônica de crescimento da economia e do desemprego generalizado. 

O dono do mercadinho da esquina jura de pés juntos que nunca ouviu falar de nenhum dos assuntos regularmente discutidos pelos analistas dos mercados e que prefere se ater à compra e venda de suas couves, abobrinhas e beringelas. 

Pauta Conservadora
Qualquer conjunto de reivindicações democráticas não autorizadas pela cúpula do ParTido - cuja clave parece funcionar melhor de cabeça para baixo.


PPP (Parceria Público-Privada)
Moderna técnica auxiliar do já secular conluio terapêutico conhecido como DDD - Diálise Despesa-Dívida [Pública], por meio da qual os proprietários das grandes marcas internacionais se associam aos Estados nacionais e subnacionais para promover grandes eventos e empreendimentos urbanos suficientemente lucrativos (artigo raro nos dias de hoje), mas que dependem de montanhas de gastos públicos em infraestrutura e equipamentos, além de eventuais vantagens fiscais e direitos extraconstitucionais concedidos.

A característica essencial das PPPs é que o lucro dos empreendimentos fica todo com os privados e a dívida com os Estados para ser repartida entre os agradecidos cidadãos.


Sustentabilidade
(1) Para as populações representadas na Cúpula dos Povos, levada a cabo na cidade do carnaval por ocasião da Conferência Rio+20, em junho de 2012, princípio condutor da civilização e da atividade humanas segundo o qual a sociedade, seus membros e suas economias devem satisfazer suas necessidades e realizar seus potenciais sem prejuízo da biodiversidade, dos ecossistemas naturais e da garantia de desfrute dessas mesmas condições pelas gerações futuras. 

(2) Para a maioria dos chefes de Estado reunidos no resort de luxo de Los Cabos, México, por ocasião da Conferência Rio+20, capacidade revelada pelos  grandes bancos e fundos de investimento de serem – contra todas as evidências de racionalidade econômica, legitimidade política e sustentabilidade na acepção (1) – periodicamente salvos da bancarrota por meio da pilhagem dos respectivos Tesouros Nacionais. 


Transparência 
Técnica de gestão democrática que consiste em colocarem-se à disposição dos eleitores de todo o país informações relativas às despesas dos governos de um modo tal que não constitua embaraço à boa marcha dos negócios públicos nebulosos - privatizações, concessões, isenções, "legado olímpico" (V. verbete), PPPs - e à generosa distribuição de privilégios. 

(2012-2015)