sábado, 26 de novembro de 2011

Roda gira gira roda

Deu no Al Jazeera English
14-02-2011, por Al Jazeera
Timeline: Egypt's revolution
A chronicle of the revolution that ended the three-decade-long presidency of Hosni Mubarak

Praça Tahir, Cairo
Uma das maiores virtudes da revolução democrática pan-árabe tem sido, paradoxalmente, embaralhar todas as cartas da sociologia e da política, prisioneiras até hoje do marco geopolítico da Guerra Fria.

O movimento das multidões norte-africanas não se ajusta aos gabaritos ideológicos dominantes na segunda metade do século XX, tampouco respondem às cabalas com que os EUA tentam exorcizar as lutas democráticas e nacionais do século XXI, o “eixo do mal” e o “terrorismo”: ele se expressa de maneira igualmente impetuosa e radical contra os califados autocráticos sustentados pelas potências da OTAN e contra os califados burocráticos apoiados pela antiga URSS.

Não é provável que vá muito longe, pela simples razão de que, em nossa época, se revoluções podem ser desencadeadas com fragmentos de programa democrático de alcance nacional, em nenhuma hipótese poderão ser concluídas sem um claro programa socialista de alcance mundial, patrocinado pelo trabalhadorado reconstituído como classe habilitada a extinguir a sociedade de classes.

Em todo caso, a Primavera Árabe significa que a roda do movimento histórico à propriedade e controle social dos meios de produção e distribuição planetários, engripada pela ferrugem da burocracia contrarrevolucionária de Moscou, dita comunista, voltou a girar.

2011-11-26

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

O vazamento da Chevron e os royalties do petróleo


O vazamento da Chevron
Uma das piores conseqüências do vazamento de petróleo na Bacia de Campos é dar (literalmente) combustível à idéia de que a riqueza resultante da exploração do petróleo no Brasil não pertence à nação, mas aos Estados (ditos) produtores; ou de que a riqueza é da nação, mas de algumas “nações estaduais” mais que de outras.

Sei perfeitamente que muitas pessoas ao alcance deste blog compartilham essa idéia ou se deixam, de alguma forma, influenciar por ela. Eu os convido a refletir sobre o que podemos entender por nação, riqueza nacional, democracia e seu significado prático, histórico e presente. 

No bloco de cima do IDH brasileiro (2005) estão o DF e os estados de Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Espírito Santo e Mato Grosso do Sul (0,874-0,802, equivalentes a países como Hungria, México e Rússia). No de baixo estão, até hoje, Bahia, Sergipe, Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco, Paraíba, Piauí, Maranhão e Alagoas – ou seja, Nordeste - (0,742-0,677, equivalentes a países como Jamaica, Egito, Gabão e África do Sul).

O PIB per Capita (2009) torna mais evidente a disparidade do desenvolvimento nacional: à parte o Distrito Federal (50.438), que se poderia considerar atípico, São Paulo (26.202) e Rio de Janeiro (22.102) lideram o ranking, com o Espírito Santo (19.145) em 6º, e  Maranhão (6.259) e Piauí (6.051) no fim da fila. O PIB per capita do Nordeste ainda é pouco mais de 1/3 do Sudeste. 


A distribuição dos royalties do petróleo não fará milagres num país ainda essencialmente dominado por uma oligarquia financeira e baronatos regionais (que parcela dos royalties do Maranhão, por exemplo, você acha que iria parar no patrimônio da família Sarney?), mas sem ela não poderemos avançar seriamente na via da redução das desigualdades regionais, que dirá da eliminação da miséria absoluta propugnada pelo governo federal.

Saltando por cima das  estatísticas e da governança, o que diríamos nós, fluminenses, sobre a repartição dos royalties do aquífero matogrossense num hipotético futuro movido a energia solar de custo próximo a zero, em que a maior  riqueza nacional fossem as nossas águas subterrâneas?  

E se pudéssemos voltar no tempo, o que decidiria a Constituinte de 1988 sobre a distribuição dos royalties do petróleo? Que posição teriam, àquela altura, os deputados constituintes do PT? 

O que decidiriam, por outro lado (vale refletir), sobre uma questão similar, as Assembléias Constituintes soberanas e democráticas porventura convocadas nos países altamente desiguais do mundo árabe hoje em luta contra suas tiranias nacionais - sócias, de uma ou outra forma, das grandes potências sedentas de petróleo barato? Acaso a riqueza do petróleo líbio deve pertencer, majoritariamente, às províncias petrolíferas litorâneas em detrimento das grandes unidades do extremo sul saariano ricas em... areia? Como é possível sustentar a unidade do país  sobre a base de uma tal definição de riqueza nacional? 

Infelizmente, o meu partido, o PT, não vem ajudando nessa discussão porque sua direção parece mais preocupada com as combinações eleitorais estaduais do que com a responsabilidade de explicar ao país como é que a questão da distribuição dos royalties se apresenta ao partido político da classe trabalhadora. 

A julgar pelo que se pode apurar na imprensa e no site do PT, a presidenta e alguns ministros e parlamentares são - afortunadamente - a favor da redistribuição, mas a direção partidária se faz de morta – como se a questão fosse absolutamente secundária. Nesse ambiente, os parlamentares petistas e diretórios estaduais se sentem inteiramente à vontade para colocar seus interesses eleitorais imediatos acima dos interesses dos trabalhadores e da nação: no Rio, saem às ruas com bandeiras do partido a gritar “contra a covardia”; no Piauí, vão à praça pública bradar pela tese contrária, que poderia estar baseada na mesma palavra-de-ordem. Parece democracia, mas eu penso que é rédea solta ao oportunismo. 

À parte os problemas de prevenção, controle e punição dos responsáveis pela catástrofe ambiental - que me parecem ter sido corretamente identificados pelo secretário Carlos Minc - o vazamento da Chevron só comprova, a meu juízo, a tese de que a justa partição nacional da riqueza petrolífera tem de levar em conta (1) os riscos, custos e externalidades negativas dos Estados onde se realiza a produção, transporte e transformação do petróleo, (2) a necessidade de um fundo nacional de emergências ambientais e (3) um prazo razoavelmente elástico para a desintoxicação dos estados “orçamentariamente viciados” em royalties. 

Como eu mesmo disse num “rasante” anterior (disponível na coluna ao lado) dessa estranha e gigantesca ave avistada, certa época, nos céus de Barcelona, eu aposto o meu HD que, se devidamente informados e democraticamente consultados, os trabalhadores brasileiros, fluminenses inclusive, bancariam esse ponto de vista perante toda a nação - e esta não votaria coisa muito diferente.

2011-11-23


segunda-feira, 21 de novembro de 2011

De volta à Praça Tahir

Praça Tahir à época da queda de Mubarak
O Globo online deste domingo 20-11-2011 informa que os egípcios, em número de 50 mil, voltaram à Praça Tahir para protestar contra "o projeto de Constituição que deixaria as Forças Armadas livres do controle civil, sem ingerência do futuro governo". 

A matéria não esclarece se essa nova onda de manifestações egípcias faz parte, como suas congêneres síria, iemenita e líbia, da "primavera árabe" ou de um imprevisto e indesejável "verão muçulmano" - em pleno inverno.

Não é demais recordar que, quando do anúncio da queda de Mubarak, o âncora do Jornal Nacional, William Bonner, decretou,  inadvertidamente talvez, mas com indisfarçável regojizo e alívio, o "desfecho da crise" egípcia.

O buraco, como se vê, era bem mais embaixo. 

2011-11-21

domingo, 13 de novembro de 2011

Trilha sonora: Valse / Olho D'Água + The Mantiqueira Range


Paulo Jobim





Valse
Paulo Jobim
(Arranjo e regência Claus Ogerman)

Olho D’Água
Paulo Jobim
Ronaldo Bastos

E já passou, não quer passar
E já choveu, não quer chegar
E me lembrou qualquer lugar
E me deixou, não sei que lá

Não quer chegar e já passou
E quer ficar e nem ligou
E me deixou qualquer lugar
Desatinou, caiu no mar

Caiu no mar, Nena
Pipo, cadê você?
Dora, cadê você?
Pablo, Lilia, cadê você?

Beira Rio
Duas Barras
Morro Velho
Ponte Nova
Maravilha
Buracada
Sumidouro
Olho-D'Água

Não quer chegar e já passou
E quer ficar e nem ligou
E me deixou qualquer lugar
Desatinou, caiu no mar

Caiu no mar, Pedro
Chico, cadê você?
Lilo, cadê você?
Zilu, Zeca, cadê você?

Vista Alegre
Cruz das Almas
Maroleiro
Asa Branca
Bom Sossego
Santo Amaro
Poço Fundo
Montes Claros
Cachoeira
Mambucaba
Porto Novo
Água Fria
Andorinha
Guanabara
Sumidouro
Olho-D'Água



quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Sobre a economia do futebol

Em 1975, quando o Fluminense contratou Roberto Rivelino, o meu pai pontificou: “Que absurdo, um jogador de futebol valer essa fortuna!" Algo me dizia que ele estava errado.

Em 1995, quando a “economia de serviços” era o tema da moda, eu disse a um incrédulo colega consultor em planejamento, num momento de inspiração, que “o Brasil exportar laranjas e importar suco embalado é quase a mesma coisa que exportar jogadores e importar futebol pela TV”.

Em 2006, quando meu professor preferido de economia urbana me revelou seu interesse em estudar bens que, como a terra, tivessem “preço de monopólio”, eu sapequei: “jogador de futebol”.

Aí, quando em 2008 o estouro da bolha pôs a nu o papel da indústria imobiliária no desenvolvimento capitalista contemporâneo, eu me dei conta de que não é coincidência o fato de traficantes e especuladores investirem em mega-projetos imobiliários e xeiques árabes e novos-ricos russos em times de futebol.

É por isso que, em 2011, quando ouço comentários ufanistas do tipo ‘o Brasil vai virar potência’, meu primeiro reflexo é pensar: ‘Certo: quando o Cartel de Medellín comprar a AFA e a N'drangueta a CBF e o Messi e o Rooney vierem jogar no Corínthias, o Ibrahimovich e o Nasri no Flamengo, o Cristiano Ronaldo no meu Fluminense, o Xavi no Cruzeiro, o Ribery no Boca Juniors, o Ozil e o Iniesta no River Plate, o Sneider no Peñarol, o Drogba na LDU, o Thiago Silva vier para o Santos fazer tripla com Neymar e Ganso e a Rede Globo vender a Libertadores para a Europa, Ásia e EUA pelo preço mais alto do mercado esportivo mundial!


2011-11-02


terça-feira, 1 de novembro de 2011

O enigma da meia-entrada

Em si mesma, a discussão da meia-entrada na Copa do Mundo me parece uma tolice sem sentido. No marco da política geral do governo brasileiro para a realização da Copa do Mundo, porém, ela se parece mais, infelizmente, com poeira nos olhos do público.

O mínimo que se poderia esperar de um contrato com a entidade privada dona dos direitos da Copa do Mundo é que esta exigisse o controle total da receita de ingressos. Se há uma única coisa compreensível, senão razoável, no acordo com a FIFA é que os ingressos sejam vendidos pelo preço fixado pela entidade.

É evidente, nesse caso, que, se o governo brasileiro quisesse respeitar a lei da meia-entrada bastaria subsidiá-la na cota de ingressos destinados ao público doméstico. Se a Copa do Mundo fosse um empreendimento verdadeiramente privado acolhido com interesse pelo Estado brasileiro, o subsídio à meia-entrada seria um custo público efetivamente desprezível, amplamente compensado pelas externalidades positivas do empreendimento.

Ocorre, porém, que, como eu mesmo já disse em outro lugar, a Copa do Mundo não é um empreendimento privado, mas uma gigantesca operação estatal de ajuda aos donos do negócio do futebol e seus fornecedores, construtoras e hoteleiros, mediante fabulosos investimentos públicos a fundo perdido e polpudas isenções fiscais. Para a FIFA, trata-se de produzir seu espetáculo a custos de mão-de-obra, infraestrutura, equipamentos e serviços de Terceiro Mundo para vendê-los na Europa, Ásia e EUA a preços de Primeiro.

Nessas circunstâncias, o governo me parece acertar tarde demais. Enquanto os grandes espertalhões do negócio futebolístico usufruem os generosos subsídios já concedidos e o governo (se liga, PT!) os pontos conquistados na parada do prestígio internacional, os jovens e idosos interessados em assistir às partidas da Copa nos novos estádios brasileiros classe FIFA correm o risco de ficar sem o seu direito à meia-entrada.


2011-11-01