sexta-feira, 24 de abril de 2015

"A culpa é da Dilma!"

Preocupado, por força das circunstâncias, mais com o bosque do que com a árvore, o recente alerta do FMI para as perspectivas nada auspiciosas das economias latino-americanas tem o mérito de explicar ao público que as razões essenciais da recessão brasileira não são - como se tornou moda deduzir, por ilação, dos cambalachos revelados pela Lava Jato - “culpa da Dilma”, mas fundamentalmente o produto de processos derivados da internacionalidade do sistema econômico, o principal deles “a desaceleração da China [que] tem tido efeitos negativos sobre os preços das matérias primas em todo o mundo” (O Globo online 12-04-2015). 

Quando muito, considera o FMI que “particularidades internas acentuam [itálico nosso] os problemas econômicos [brasileiros]: desafios de competitividade que não foram enfrentados [leia-se precarização do trabalho, que aliás está sendo providenciada], o risco de racionamentos de energia e água no médio prazo e os desdobramentos da investigação da Petrobras”. (O Globo online 14-04-2015). Sequer o desajuste fiscal - causa fundamental, recorrente e corriqueira dos nossos problemas no entender do doutor Delfim Neto (“Nada de novo sob o sol…”, Valor Econômico 07-04-2015) - é mencionado. 

De fato, nunca se ouviu dos chefes do FMI, tampouco dos analistas de economia da grande imprensa nacional, críticas, por exemplo, aos generosos gastos governamentais com o investimento de capital necessário à realização da Copa do Mundo, dos Jogos Olímpicos, do Porto Maravilha e até do Comperj, que só entrou na lista negra da mídia depois que o fluxo de dinheiro entre o governo e as empreiteiras emperrou. Como já dito em algum outro lugar deste blog, a contradição da nossa classe dominante com o gasto público é seletiva: só são “excessivos” os gastos que não a beneficiem direta e imediatamente e, obviamente, o conjunto dos gastos depois que todo mundo esqueceu em que foram feitos.

O FMI não diz, nem poderia, mas a leitura do noticiário econômico - sobretudo na imprensa europeia - permite deduzir que as circunstâncias desfavoráveis à América Latina fazem parte de um ambiente econômico planetário extremamente adverso e instável, em que mesmo as avaliações momentaneamente positivas de países como Estados Unidos, Inglaterra e Espanha se fazem geralmente acompanhar de ressalvas relacionadas à baixa dos salários, à precariedade do emprego, ao aumento irrefreável da desigualdade e, por último mas não menos importante, a uma apreensão mais ou menos generalizada com o destino do oceano de títulos de dívidas públicas que hoje constitui a “substância” de boa parte da riqueza privada mundial. Uma situação a tal ponto esdrúxula que o risco de calote da Grécia (0,32% do PIB mundial e 1,3% do PIB da UE) é uma permanente ameaça de pânico nas bolsas de todo o planeta! Um avião lotado de passageiros, sem GPS, com piloto e co-piloto trancafiados no lavatório e o trem de pouso avariado - parece uma metáfora adequada para o capitalismo do século XXI, produto da competição predatória entre redes virtualmente indecifráveis de potentados financeiros, oligopólios industriais e seus Estados nacionais associados pela valorização dia a dia mais problemática dos respectivos capitais. 

Se culpa tem Dilma Rousseff - o PT nem se fala -, não é, definitivamente, a de ter causado a desaceleração chinesa e a queda dos preços das commodities, mas a de não ter alertado o seu eleitorado, e a classe trabalhadora em especial, para as inevitáveis turbulências econômicas vindouras e a consequente necessidade de estarem preparados para defender suas conquistas. 

Dessa responsabilidade, evidentemente, os analistas econômicos VIPs não querem nem ouvir falar: afinal, a economia é, para eles, um processo tão natural quanto a gravitação universal e a evolução as espécies, restando aos ignorantes cidadãos comuns nada além de entoar loas, nas boas colheitas, aos senhores do século por sua sábia governança e, nos eventos catastróficos, orar pela misericórdia dos céus.

2015-04-22