Depois do “Maracanã em pó” (ver postagem anterior), uma aplicação localizada, temos aqui uma lição abrangente de capitalismo do desastre (ver Naomi Klein) ministrada pelo professor Merval: para poder crescer, os países precisam, primeiro, se deixar devastar por políticas de ajuste estrutural de suas economias.
Para propiciar ao leitor uma imagem do impacto do “dever de casa” do Professor Merval sobre a economia brasileira, eu apresento um gráfico com as taxas de crescimento do PIB brasileiro desde 1964. O dever de casa consistiu, como se vê, em aprender a escrever o “W”, que naquela época não fazia parte do nosso alfabeto.
Incluo, no gráfico, uma “linha de tendência” automática do Excel, que, a mim pelo menos, reforça a desagradável intuição de que o melhor que podemos esperar do alardeado avanço do Brasil ao status de potência econômica num mundo governado pelo capital financeiro é... uma economia cronicamente estagnada em taxas médias de menos de 3% muito antes de alcançarmos os retardatários do pelotão da frente!
Ao leitor interessado em se aprofundar no ensinamento do professor Merval e seus efeitos sobre a geografia humana mundial, eu recomendo enfaticamente a leitura de Planeta Favela, de Mike Davis (tradução de Beatriz Medina, pósfácio de Ermínia Maricato), Boitempo Editoral, 2006. O título do livro fala por si.
Seguem três passagens do capítulo “Desajustando” o Terceiro Mundo: o big bang da pobreza urbana.
“Em agosto de 1982, quando o México ameaçou deixar de pagar as parcelas da dívida, tanto o FMI quanto o Banco Mundial, em sincronia com os maiores bancos comerciais, tornaram-se instrumentos explícitos da revolução capitalista internacional promovida pelos governos Reagan, Thatcher e Kohl. O Plano Baker de 1985 (...) exigiu sem rodeios que os 15 maiores devedores do Terceiro Mundo abandonassem as estratégias de desenvolvimento conduzido pelo Estado em troca de novas facilidades para empréstimos e de continuar participando da economia mundial” [DAVIS, p. 156].
(..)
Segundo uma pesquisa da OIT, a pobreza urbana na América Latina cresceu extraordinários 50% somente na primeira metade da década, de 1980 a 1986. A renda média da população economicamente ativa caiu 40% na Venezuela, 30% na Argentina e 21% no Brasil e na Costa rica. No México o emprego informal quase dobrou entre 1980 e 1987, enquanto os gastos sociais caíram para metade do nível de 1980. No Peru, a década de 1980 terminou com uma “hiper-recessão” induzida pelo PAE [Plano de Ajuste Estrutural] que, em três anos, reduziu o emprego formal de 60% para 11% da força de trabalho urbana (...) [DAVIS, p. 160].
(..)
Em todo o Terceiro Mundo os choques econômicos dos anos 1980 obrigaram os indivíduos a se reagrupar em torno da soma dos recursos da família, principalmente, da capacidade de sobrevivência e da engenhosidade desesperada das mulheres. Quando as oportunidades de empregos formais dos homens desapareceram, mães, irmãs e esposas, em geral, foram obrigadas a agüentar bem mais que metade do peso do ajuste estrutural urbano. (..) Como enfatiza a geógrafa Sylvia Chant, sob os PAES as mulheres urbanas pobres tiveram de trabalhar mais, tanto dentro quanto fora de casa, para compensar os cortes nos gastos com serviços públicos e da renda masculina; ao mesmo tempo, o aumento ou a criação de tarifas cobradas dos usuários limitaram ainda mais o seu acesso à educação e à assistência médica [DAVIS, p.161].
Tendo em vista tudo isso, não me surpreende a advertência dos pesquisadores do projeto Observatório Urbano da ONU: “Em 2020 a pobreza urbana do mundo chegará a 45% ou 50% do total de moradores das cidades”. [DAVIS, p. 155].
Na dúvida, leitor, sobre as causas desse intrigante fenômeno, não hesite em perguntar ao professor Merval Pereira, PhD, Jornal das Dez.
2011-12-08
2011-12-08