Por Catarina Alencastro, Fernanda Krakovics e Júnia Gama, 07/08/2015
http://oglobo.globo.com/brasil/ninguem-vai-tirar-legitimidade-que-voto-me-deu-diz-dilma-em-discurso-17116386#ixzz3id3fapC8
Ainda mal restabelecido dos abalos do "mensalão" e do profundo mal-estar nacional revelado, em junho de 2013, com os privilégios concedidos às concessionárias de transportes, à FIFA e às empreiteiras contratadas para construir a infraestrutura da Copa e das Olimpíadas, o país é agora violentamente sacudido por uma nova tragédia - de dimensão histórica: a Petrobrás, maior empresa do país e símbolo de sua luta por independência econômica, está sendo destruída por uma predatória disputa de contratos entre as empreiteiras que medram sob a proteção do Estado brasileiro, ora pela via da cartelização ora pela via da guerra de propinas, sob as barbas (na melhor das hipóteses) ou a égide (na pior) do governo liderado pelo partido cujo nome reivindica a representação política da classe trabalhadora.
A espessa nuvem de sensacionalismo midiático e exploração política da Operação Lava-Jato revela, com certeza, para além da necessidade de vender notícias, a evidente ânsia das elites brasileiras - empresariais e jornalísticas - de se vingar dos trabalhadores, na figura do PT, pela audácia de marcar indelevelmente a Nova República com a criação de um novo partido de classe, arauto de uma nova democracia e, quem sabe, de um novo socialismo. Nenhum privilégio, nenhum benefício, nenhuma boa-vontade as apaziguará, independentemente do que creiam ou esperem os líderes do PT.
Mas isso não apaga a dimensão mais imediata e perturbadora da Lava-Jato: uma espécie de exorcismo público da tomada do Estado brasileiro por um pequeno comitê de empreiteiras, bancos e concessionárias envolvidas até o pescoço nos trâmites da economia mundial parasitária da especulação financeira, petroleira e urbano-imobiliária. O Brasil que a Lava-Jato desentranha já não é a República dos Marajás, mas a República das Empreiteiras.
Levada pela própria dinâmica da integração do país na economia mundial, a Nova República, que já nascera conservadora e imobilista, veio a engendrar, pela mão de FHC e – desgraçadamente – de Lula e Dilma, um Estado em vias de privatização total. Nenhum programa social de sucesso, nenhum feito desenvolvimentista, nenhum ganho histórico de salário pode esconder essa contradição básica da política petista.
Encarar esse fato é, para Dilma, condição sine-qua-non para enfrentar a crise e sair dela.
Para o PT, também, mas é provável que o momento da mudança tenha ficado irremediavelmente para trás.
Já faz muito tempo que a liderança histórica do PT abandonou a sua classe – convertendo-a, com a ajuda do imposto sindical e das políticas sociais do governo, em mera clientela – e saiu em busca de uma nova base social.
A terra onde medrou o Partido dos Trabalhadores foi salgada a tal ponto que nenhuma liderança digna de nota ali surgiu ao longo de todos esses anos. Nenhum novo líder fabril ou sindical petista surgiu para questionar a aliança estratégica com o PMDB e o pacto Lula-Sarney-Meirelles; nenhum movimento de base trouxe a público a sua indignação com os métodos espúrios de construção da base parlamentar do governo, com o valerioduto, com os aloprados, com a degradante simbiose governo-PT-empreiteiras, com os privilégios concedidos ao COI e à FIFA, com o pânico, seguido de hostilidade aberta, da cúpula petista em face do tsunami democrático de junho de 2013, com a nefasta tática eleitoral de destruir Marina Silva em benefício do morto-vivo Aécio Neves, com o pacto recessivo Dilma-Levy e, finalmente, com a suprema desmoralização que é, para a classe trabalhadora, o propinoduto da Petrobrás.
Encurralado pela mesma operação policial que pôs na cadeia a nata do empresariado brasileiro - sócios preferenciais do Estado - e do governo - o Partido dos Trabalhadores agoniza. O PT poderá sobreviver - como o partido parlamentar “de esquerda” que apregoam as resoluções de seus congressos, como o PTB do século XXI, como social-democracia à moda latino-americana -, mas já não poderá reivindicar, muito menos exercer, o papel de representação política da classe trabalhadora.
‘Ninguém vai tirar a legitimidade que o voto me deu’, diz Dilma em discurso
A vasta maioria de seus adversários no Congresso Nacional, na imprensa, na TV e quem sabe até no judiciário não pode ostentar uma migalha de sua honestidade pessoal e sua dignidade política - para não falar do voto legitimamente conquistado.
Mas quem irá fazê-lo? Como? Em nome de quê?
Mas quem irá fazê-lo? Como? Em nome de quê?
Ainda mal restabelecido dos abalos do "mensalão" e do profundo mal-estar nacional revelado, em junho de 2013, com os privilégios concedidos às concessionárias de transportes, à FIFA e às empreiteiras contratadas para construir a infraestrutura da Copa e das Olimpíadas, o país é agora violentamente sacudido por uma nova tragédia - de dimensão histórica: a Petrobrás, maior empresa do país e símbolo de sua luta por independência econômica, está sendo destruída por uma predatória disputa de contratos entre as empreiteiras que medram sob a proteção do Estado brasileiro, ora pela via da cartelização ora pela via da guerra de propinas, sob as barbas (na melhor das hipóteses) ou a égide (na pior) do governo liderado pelo partido cujo nome reivindica a representação política da classe trabalhadora.
A espessa nuvem de sensacionalismo midiático e exploração política da Operação Lava-Jato revela, com certeza, para além da necessidade de vender notícias, a evidente ânsia das elites brasileiras - empresariais e jornalísticas - de se vingar dos trabalhadores, na figura do PT, pela audácia de marcar indelevelmente a Nova República com a criação de um novo partido de classe, arauto de uma nova democracia e, quem sabe, de um novo socialismo. Nenhum privilégio, nenhum benefício, nenhuma boa-vontade as apaziguará, independentemente do que creiam ou esperem os líderes do PT.
Mas isso não apaga a dimensão mais imediata e perturbadora da Lava-Jato: uma espécie de exorcismo público da tomada do Estado brasileiro por um pequeno comitê de empreiteiras, bancos e concessionárias envolvidas até o pescoço nos trâmites da economia mundial parasitária da especulação financeira, petroleira e urbano-imobiliária. O Brasil que a Lava-Jato desentranha já não é a República dos Marajás, mas a República das Empreiteiras.
Levada pela própria dinâmica da integração do país na economia mundial, a Nova República, que já nascera conservadora e imobilista, veio a engendrar, pela mão de FHC e – desgraçadamente – de Lula e Dilma, um Estado em vias de privatização total. Nenhum programa social de sucesso, nenhum feito desenvolvimentista, nenhum ganho histórico de salário pode esconder essa contradição básica da política petista.
Encarar esse fato é, para Dilma, condição sine-qua-non para enfrentar a crise e sair dela.
Para o PT, também, mas é provável que o momento da mudança tenha ficado irremediavelmente para trás.
Já faz muito tempo que a liderança histórica do PT abandonou a sua classe – convertendo-a, com a ajuda do imposto sindical e das políticas sociais do governo, em mera clientela – e saiu em busca de uma nova base social.
A terra onde medrou o Partido dos Trabalhadores foi salgada a tal ponto que nenhuma liderança digna de nota ali surgiu ao longo de todos esses anos. Nenhum novo líder fabril ou sindical petista surgiu para questionar a aliança estratégica com o PMDB e o pacto Lula-Sarney-Meirelles; nenhum movimento de base trouxe a público a sua indignação com os métodos espúrios de construção da base parlamentar do governo, com o valerioduto, com os aloprados, com a degradante simbiose governo-PT-empreiteiras, com os privilégios concedidos ao COI e à FIFA, com o pânico, seguido de hostilidade aberta, da cúpula petista em face do tsunami democrático de junho de 2013, com a nefasta tática eleitoral de destruir Marina Silva em benefício do morto-vivo Aécio Neves, com o pacto recessivo Dilma-Levy e, finalmente, com a suprema desmoralização que é, para a classe trabalhadora, o propinoduto da Petrobrás.
Encurralado pela mesma operação policial que pôs na cadeia a nata do empresariado brasileiro - sócios preferenciais do Estado - e do governo - o Partido dos Trabalhadores agoniza. O PT poderá sobreviver - como o partido parlamentar “de esquerda” que apregoam as resoluções de seus congressos, como o PTB do século XXI, como social-democracia à moda latino-americana -, mas já não poderá reivindicar, muito menos exercer, o papel de representação política da classe trabalhadora.
O naufrágio do PT deixou a classe trabalhadora à deriva e as novas gerações de brasileiros à mercê dos mercadores de ilusões do Congresso, da grande imprensa e da TV. Este parece ser o fator crítico da situação atual.
O resultado da desorientação geral é a ascensão de Cunha à presidência da Câmara, de Calheiros à presidência do Senado, de Temer ao lugar de fiel da balança da ordem social e política e da Lava-Jato ao papel de entidade mais popular do país. Em tais condições, não seria surpreendente se, amanhã, um novo tsunami democrático desgovernado levasse Dilma de roldão e depositasse inadvertidamente o poder, como no Egito, no colo da reação policial-militar.
Isolada dos trabalhadores e da juventude do país, Dilma se sente obrigada a apelar à legitimidade democrática de seu mandato e a ampliar as concessões ao poder econômico. A seu favor conta a pouca disposição de grande parte dos líderes empresariais – beneficiários de primeira fila dos negócios do Estado, mas carentes crônicos de representatividade política perante a nação – para abrir a caixa de Pandora do impeachment e entregar o poder aos atuais chefes do gangsterismo parlamentar. É pouco. Muito pouco.
Eu penso que, para defender seu mandato, reivindicar sua dignidade política e lançar um jato de ar puro sobre a nuvem tóxica que sufoca o país, Dilma deveria pensar em liderar, com o PT ou sem ele se for preciso, um movimento por uma Assembléia Constituinte soberana, com direito a candidaturas oriundas de movimentos trabalhistas e populares e livre da interferência do poder econômico - que envenena a democracia - para desprivatizar a República!
Chegamos a um impasse. O Congresso faliu há muito tempo e a combalida Presidência repousa sobre uma frágil maioria eleitoral. A democracia precisa ser refundada no Brasil. E a classe trabalhadora precisa desse espaço para ter a chance – pelo menos a chance! – de resgatar a sua identidade e reconstruir a sua representação política. É essa a maior contribuição que eu espero, hoje, da presidenta que ajudei a eleger.
2015-08-12
O resultado da desorientação geral é a ascensão de Cunha à presidência da Câmara, de Calheiros à presidência do Senado, de Temer ao lugar de fiel da balança da ordem social e política e da Lava-Jato ao papel de entidade mais popular do país. Em tais condições, não seria surpreendente se, amanhã, um novo tsunami democrático desgovernado levasse Dilma de roldão e depositasse inadvertidamente o poder, como no Egito, no colo da reação policial-militar.
Isolada dos trabalhadores e da juventude do país, Dilma se sente obrigada a apelar à legitimidade democrática de seu mandato e a ampliar as concessões ao poder econômico. A seu favor conta a pouca disposição de grande parte dos líderes empresariais – beneficiários de primeira fila dos negócios do Estado, mas carentes crônicos de representatividade política perante a nação – para abrir a caixa de Pandora do impeachment e entregar o poder aos atuais chefes do gangsterismo parlamentar. É pouco. Muito pouco.
Eu penso que, para defender seu mandato, reivindicar sua dignidade política e lançar um jato de ar puro sobre a nuvem tóxica que sufoca o país, Dilma deveria pensar em liderar, com o PT ou sem ele se for preciso, um movimento por uma Assembléia Constituinte soberana, com direito a candidaturas oriundas de movimentos trabalhistas e populares e livre da interferência do poder econômico - que envenena a democracia - para desprivatizar a República!
Chegamos a um impasse. O Congresso faliu há muito tempo e a combalida Presidência repousa sobre uma frágil maioria eleitoral. A democracia precisa ser refundada no Brasil. E a classe trabalhadora precisa desse espaço para ter a chance – pelo menos a chance! – de resgatar a sua identidade e reconstruir a sua representação política. É essa a maior contribuição que eu espero, hoje, da presidenta que ajudei a eleger.
2015-08-12