DW 12-11-2023
Em entrevista, Ailton Krenak, escritor indígena recém-eleito para ABL, afirma que propostas de enfrentamento da crise climática precisam repensar o capitalismo. " A lógica do capitalismo é devorar o planeta."
O discurso do governo Lula transita entre a preservação
ambiental e uma visão desenvolvimentista, que divide espaço com a bioeconomia.
Como você avalia essa postura?
Se a gente tem um governo aqui no nosso país, neste momento,
buscando ao mesmo tempo lidar com a complexidade climática e promover o
faturamento da economia, ele pode estar cometendo um erro muito grave, de
esquizofrenia. Porque não dá para você chutar a bola para o gol e pegar a bola
no gol. Só se você for um homem borracha. Eu acho que a ideia da economia
brasileira de querer performar melhor do que qualquer país capitalista para
garantir um lugar de governança social é de alto risco.
Talvez, o Lula não tenha outra opção. Ele foi pego numa
sinuca de bico entre um Congresso fascista e um conjunto de situações
internamente estruturadas por uma classe econômica totalmente vampira. Os
bancos são vampiros, o agronegócio é vampiro. Todo mundo aqui é vampiro. E eles
querem vantagens. Costuma ser coincidente também que esses vampiros são burros.
Então, vai ter um dia em que eles vão morder o próprio pescoço.
A metástase é o vampiro chupando o pescoço dele mesmo,
quando o clima do planeta não permitir mais ninguém fazer nada, ficar todo
mundo morto na calçada feito uma lesma em dia de calor. Mas esses caras são tão
burros que não adianta a gente dizer para eles que isso tá errado. Eles são
fundamentalistas. Eles acreditam que o capitalismo é a única maneira de viver
no planeta. Se eles continuarem acreditando nisso, eles não vão deixar a ideia
do desenvolvimentismo. E o próprio governo do Brasil não vai conseguir escapar
dessa receita medíocre.
É uma pena, porque a gente podia fincar pé no propósito de
fazer valer a diversidade étnica e cultural do Brasil, e inventar um tipo de
economia que não fosse essa fúria modernizante, tecnológica, tecno-industrial,
técnico-ambiental, que a ministra Marina Silva chama de bioeconomia. O que ela
está chamando de bioeconomia é só um ajuste aos termos e ao gosto do
capitalismo: muita grana, muito investimento, consumo, comprar equipamentos.
Houve um tempo em que a gente comprava turbinas para hidrelétricas. Agora, a
gente vai comprar qualquer outra bobina para bioeconomia. Quer dizer, não tem
nada de novo. (..)