Na manhã seguinte à morte de Khadafi, a
primeira meia página de O Globo estampava, em letras garrafais: “O Fim Violento
de um Ditador”.
Eu fiquei imaginando quantas horas-homem de
jornalistas da editoria terão sido gastas para imaginar manchete tão
perfeitamente confortante e ambígua. Não vi ninguém parado na banca querendo
saber das circunstâncias. Que importa? Se a Casa Branca, a OTAN e a TV Globo –
ou seja, toda a “comunidade internacional” – garantem que o sujeito era um
ditador sanguinário e por isso merecia morrer, que diferença faz quem o
matou, como matou e por que matou?
Que importa se o regime da dita primavera
líbia não fez a menor questão de capturá-lo vivo para ser pública e
transparentemente julgado por seus crimes?
A nossa presidenta Dilma Rousseff, num
saudável reflexo, disse: “Não se comemora a morte de qualquer líder”, querendo
obviamente dizer “Não se comemora a morte de um chefe de Estado, seja de que
Estado for”. Diplomaticamente perfeito. Só me pergunto se ela, que conheceu na
carne os porões da ditadura, não tinha em mente, mais do que a máscara torturada
de Khadafi, o espectro distante, mas ainda assustador, de Allende.
2011-10-25
2011-10-25